A comunidade evangélica portuguesa está a perder igrejas no país. Entre
os anos 2000 e 2016, o número de templos evangélicos diminuiu de 1630
para 964, de acordo com um levantamento realizado pela Aliança
Evangélica Portuguesa, organização que agrupa a maioria das comunidades
evangélicas em Portugal. E falamos de mais de 700, muitas delas com um
grupo de fiéis reduzido, a rondar as 40 pessoas. Uma das explicações
para esta redução é a saída do país de muitos imigrantes, sobretudo
brasileiros, nos últimos anos, o que levou ao fim da muitas igrejas.
Apesar
de o número de templos ser mais reduzido, no mesmo período foram
abertas 322 novas igrejas, com alguns casos a serem de fusões. Em média
cada igreja faz cinco batismo por ano. Lisboa, Porto e Setúbal
concentram a maioria das comunidades evangélicas portuguesas, em que a
média é de 49 membros por igreja. Além da redução de locais religiosos,
os evangélicos concluíram que a participação nos cultos semanais é
diminuta. Dos mais de 150 mil evangélicos estimados menos de um terço
participa regularmente nas orações nos templos.
"Quando falamos
de 2000 igrejas com portas abertas ao público é preciso ver o contexto.
Muitas dessas igrejas eram pequenos espaços, algumas delas em garagens,
por vezes formadas por um imigrante que chegava e queria ter cá um culto
semelhante ao que já conhecia e reunia um grupo de pessoas para abrir
uma igreja. Muitas estavam abertas dois ou três anos e depois fechavam",
disse ao DN António Calaim, presidente da Aliança Evangélica
Portuguesa. "Muitas dessas garagens deram lugar a um único espaço, com
melhores condições", aponta o médico de 60 anos, com o reconhecimento
que "não há dúvida que há menos igrejas".
António Calaim aponta
também que há agora alguma estabilização. "Nas décadas de 1980 e 1990
houve um boom, com a chegada de pessoas das antigas colónias [Cabo Verde
tem muitos evangélicos] e com a entrada de muitos imigrantes, os
brasileiros mas não só. A partir do ano 2000 iniciou-se a redução."
Outro fator a ter em conta, segundo a Aliança, é o "forte movimento de
secularização que a sociedade portuguesa vive nas últimas décadas."
A saída dos brasileiros
Do
Brasil, nação com grande número de igrejas evangélicas (mais de um
terço do total religioso do país) chegaram muitos pastores e fiéis. Mas,
antes do Campeonato do Mundo de Futebol de 2014, muitos deixaram
Portugal. A Casa do Brasil estimava em 2014 que teriam regressado mais
de dez mil, o que teve um impacto grande na comunidade evangélica
portuguesa.
A Aliança Evangélica Portuguesa (AEP), que existe
desde 1921, com estatuto legal desde 1935, é a organização reconhecida
pelo Estado que congrega as igrejas evangélicas. Não todas. "Nunca
aceitamos a Igreja Universal do Reino de Deus (IURD), a Igreja Maná e
mais meia dúzia. Para fazer parte as igrejas têm de se rever na
declaração de fé da Aliança, além de outras regras. Essas igrejas não
correspondem aos nossos princípios", justifica. O líder dos evangélicos
também esclarece que este levantamento foi efetuado por membros da AEP e
não pretende ser um trabalho científico "Foi realizado nas igrejas
filiadas, e até poderão ter faltado algumas, através de telefonemas e
e-mails. É uma forma de termos uma melhor ideia da situação", diz.
"Quando
se decidiu fazer o levantamento, já eram conhecidos dados do Instituto
Nacional de Estatística sobre a religião em Portugal que indicavam a
existência de 3% de cristãos não católicos. A Universidade Católica
também fez um estudo que apontava que a percentagem de evangélicos seria
de 2,5%. Mas estas estatísticas incluem sempre a IURD, a Maná e outras
igrejas que não fazem parte da Aliança Evangélica."
António
Calaim dá o exemplo da sua Igreja Evangélica de Sintra, em Mem Martins,
que "chegou a ter quatro espaços diferentes, depois passou a ter um e
agora até tem três", com a curiosidade de um deles ser disponibilizado
ao sábado a um grupo de ucranianos evangélicos e aos domingos a uma
igreja adventista, que "pode parecer estranho mas não tem ligação com os
evangélicos".
Mais preocupante e "motivo de tristeza" para
António Calaim é a pouca frequência dos cultos. O levantamento efetuado
conclui que só uma em cada quatro pessoas evangélicas é frequentadora
regular das igrejas.
"Estamos a passar por aquilo que a Igreja
Católica já viveu. Achávamos que iam todos ao culto aos domingos mas não
é verdade. Hoje sabemos que há pessoas que são evangélicas para quem já
não é tão importante a presença semanal nas igrejas. Nos católicos
também se calcula que só 8% vai às missas ao domingo."
Lisboa,
Porto e Setúbal têm as maiores concentrações - sete em cada dez vive
nestes distritos. A média de membros de uma igreja evangélica no país é
de 49. Nas cidades o número é geralmente superior a 50, enquanto nas
áreas rurais (Guarda e Vila Real) a média é inferior a 20. O estudo da
Aliança Evangélica Portuguesa diz que em algumas regiões a igreja é
quase "invisível".
As igrejas evangélicas ainda têm uma grande
dependência de recursos estrangeiros, sejam humanos ou financeiros,
apesar de concluir que 66% dos pastores nasceram em Portugal. Mas o
facto de mais de 100 pastores serem estrangeiros , em especial
brasileiros (mas também norte-americanos, ingleses e outros), criou-se a
ideia de que as igrejas evangélicas eram, por vezes, mais dirigidas as
estrangeiros e que o formato dos cultos era direcionado para esses
imigrantes e não para portugueses. Algo que a AEP crê não corresponder à
realidade.
A idade média dos pastores evangélicos é alta, com
24% a ter mais de 60 anos e 18% com idade inferior a 40 anos, levando a
AEP a preparar-se "para formar uma nova geração de líderes evangélicos".
No
mesmo estudo, que foi divulgado apenas pelo site internacional
Evangelical Focus, aponta-se como caminho para as missões o território
muçulmano. Sugere oportunidade de trabalhar com a comunidade muçulmana
"devido à posição geográfica estratégica de nosso país". Atualmente há
missionários em Marrocos, Timor-Leste e Espanha. Argélia e Líbano são
também países onde os missionários evangélicos, que não devem ser mais
de 50, têm contactos.
António Calaim admite que os evangélicos
ainda são vítimas de preconceitos na sociedade. "Nem nos sabem
identificar e confundem-nos com Testemunhas de Jeová e mórmones, que não
têm nada que ver com as igrejas evangélicas. Depois, fenómenos como a
IURD também não ajudaram."
Mas no final dos anos 1990 houve
também momentos positivos em termos mediáticos, como o surgimento da
editora de música Flor Caveira, dinamizada pelo músico e pastor
evangelista Tiago Gillul e que lançou nomes como B. Fachada e Samuel
Úria.
A maior minoria religiosa
"Somos a
maior comunidade em termos de minorias religiosas", aponta António
Calaim, realçando ainda o trabalho que têm efetuado e o reconhecimento
que o Estado português tem dado. Com a dinâmica de crescimento dos anos
1990, a AEP lutou pelo reconhecimento da comunidade.
A Lei da
Liberdade Religiosa em 2001 veio de encontro a essas pretensões e hoje
os evangélicos participam nas aulas de Religião e Moral das escolas
públicas. "Estamos reconhecidos pelo Ministério da Educação e chegamos a
milhares de alunos", assegura o presidente da AEP, associação que
refere no seu site ter "306 turmas a funcionar em 241 escolas públicas
da disciplina de Educação Moral e Religiosa Evangélica abrangendo um
universo de 2000 alunos".
Nas prisões e hospitais também há
evangélicos a prestar assistência religiosa aos crentes. Ainda
recentemente, salienta António Calaim, a sua comunidade evangélica
associou-se a uma paróquia católica para acolher refugiados.
Fonte: Diário de Notícias - Portugal